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E o que é ser cigano?

Definir a identidade cigana é bem mais difícil do que parece. Subdivididos em 3 principais etnias (rom, calon e sinti), eles não constituem um povo homogêneo. Nem todos são nômades. Nem todos falam romani. Nem todos dançam ao redor de fogueiras ou usam roupas coloridas. Podem ser pobres ou ricos. Podem ser cristãos, muçulmanos, judeus. O que faz deles um povo é uma sensação comum de não serem gadgés – como eles chamam os não-ciganos – e de se identificarem como rom, calon ou sinti. “O termo ‘cigano’ só funciona nessa oposição”, diz o pesquisador Frans Moonen, autor do livro Anticiganismo – Os Ciganos na Europa e no Brasil.

 

Mas, apesar de todas as divergências, algumas características permitem traçar um perfil comum a esses grupos. A primeira delas é o espírito viajante. Ainda que nem todos sejam nômades, os ciganos não se sentem pertencentes a um único lugar. Não criam raízes, não têm uma noção concreta de propriedade – estão sempre fazendo negócios com seus pertences, preferencialmente em ouro, que não perde valor e é aceito em qualquer nação (por isso a imagem cigana é vinculada ao uso do ouro como adereço, especialmente nos dentes das mulheres).

 

Eles não gostam de se submeter a leis e a regras que não sejam as deles. Prezam, acima de tudo, a liberdade. Assim, podem até se estabelecer por muito tempo em um mesmo lugar (como é comum entre os sinti). Mas, nesse caso, procuram morar em uma mesma rua ou, de preferência, em acampamentos onde possam preservar sua autonomia e manter a unidade familiar – outro aspecto primordial na vida cigana.

 

É em torno da família que uma comunidade cigana se organiza. Há um líder, sempre um homem, nomeado por mérito e não por herança. Ele é escolhido levando em conta vários aspectos. Um deles, importantíssimo para conseguir alugar um terreno, montar um circo ou participar de feiras, é ter um documento de identidade, o que se tornou um verdadeiro desafio – o cigano não consegue registrar o nascimento dos filhos porque não possui documentos próprios, em um processo sem fim. Também deve ser um bom interlocutor entre o poder público e seu grupo, além de ter habilidade para resolver os problemas internos do acampamento. É ele quem dita as regras, divide as tarefas, cria as leis do grupo.

 

A sociedade cigana é patriarcal, quase machista. Ao se casar, o homem vira o responsável pelo sustento do lar. A mulher passa a morar com a família do marido e deve cuidar dele, dos sogros, da casa e dos filhos. Isso costuma acontecer cedo, ainda na adolescência: logo após a primeira menstruação, a menina já é considerada apta para casar e ter filhos. A noiva deve ser virgem. Tradicionalmente, sua pureza é comprovada em um dos rituais da longa festa de casamento, em que o lençol da noite de núpcias é exibido para toda a comunidade. Antigamente, os pais do noivo deviam pagar um dote à família da moça, mas esse hábito já não existe mais na maior parte dos acampamentos.

 

O casamento entre primos, no entanto, continua sendo estimulado, também na tentativa de preservar o núcleo familiar. É natural que em comunidades nômades seja mais difícil acontecer um casamento entre ciganos e gadgés. Mas é possível e permitido. Nesse caso, o homem ou a mulher deve mudar de vida. Ser cigano não depende do sangue – se o gadgé optar por se integrar ao grupo, automaticamente vira um deles.

 

À medida que se estabeleceram na Europa e nas Américas, os ciganos assimilaram cerimônias e ritos ocidentais. No Brasil, por exemplo, o catolicismo foi adotado pela maioria (é comum encontrar imagens da Nossa Senhora Aparecida nas barracas). Mas algumas tradições permanecem fortes. A simbologia da morte é a principal delas. “Quando um cigano morre, há um processo de morte que se instala em todos os indivíduos do grupo”, afirma Aluízio. Os calon realizam rituais de cura assim que é diagnosticada a doença. Além de aceitar a medicina tradicional, eles recorrem a rezas, correntes de orações, garrafadas de ervas, chás e simpatias, geralmente ministradas por uma curandeira do grupo.

 

Durante o velório, o morto é o centro do ritual e, dependendo da posição que ele ocupava, a família se reestrutura: uma nova liderança terá que ser eleita. O corpo do falecido é lavado, untado com ervas aromáticas e vestido adequadamente. Esse momento de sofrimento e cumplicidade é importante para a identidade do grupo. Como em outras culturas, percebe-se a possibilidade de transcendência. No caso dos ciganos, esse é o momento de encontrar a sua alma naturalmente viajante.

Em alguns acampamentos, eliminam-se todos os pertences do morto. Até o seu trailer chega a ser queimado. “É como um corte na história.

 

Nada é guardado, não se resgata o passado”, diz Florencia Ferrari, estudiosa do assunto e autora do livro Palavra Cigana. Depois da morte de um membro, muitos grupos ciganos se mudam para outro acampamento.

 

Fontes:

COSTA, E. M. L. O Povo Cigano entre Portugal e Terras de Além-mar, 1997.

ADOLFO, S. P. Rom: uma odisséia cigana. Londrina: Editora UEL, 1999

 

A ignorância gera medo, medo gera preconceito que gera discriminação. A sociedade majoritária, só pode desenvolver respeito pela cultura das minorias ciganas se conhecer seus valores e suas manifestações culturais. Portanto, urge que não somente os linguistas, assim como todos os cientistas sociais, iniciem pesquisas sérias sobre a situação dos brasileiros ciganos, sobre suas diversas culturas e sobre a discriminação da qual constantemente são vítimas. Cabe a nós acabar com a ignorância, porque enquanto esta persistir, será impossível acabar com os preconceitos e com a discriminação. É necessário corrigir e eliminar, na medida do possível, estas imagens negativas.
 

Iguais, mas diferentes

 

Romani é a única língua indo-ariana que tem sido falada exclusivamente na Europa desde a Idade Média e cujo vocabulário e gramática estão relacionados com a sânscrito. É parte do fenômeno de línguas da diáspora índicos faladas por comunidades itinerantes, de origem indiana fora da Índia.

 

Os 3 principais grupos ciganos

 

OS ROMA - ROM, SINTI, CALON 

 

Segundo Pereira (2009:19), “o cigano somente é conhecido por meio de seu contexto, isto é, dos condicionamentos socioculturais de sua etnia. A chave da identidade cigana não se encontra no indivíduo, mas no grupo”. Assim, a cultura e personalidade ciganas moldam-se por completo no grupo, e daí projetam-se em cada um de seus componentes.O termo "cigano" é uma expressão criada na Europa do Século XV, para designar povos nômades (ou cujo nomadismo constituía característica de seu modo de viver), e que a si próprios chamam de ROM, SINTI ou CALON.

 

Os ciganos sempre evitaram a miscigenação e o convívio com os gadjé (não ciganos), o que contribuiu sobremaneira para a manutenção de seus costumes e de sua cultura ao longo dos séculos, embora sejam povos sem território. Os ciganos sempre tiveram o mínimo possível de contato com os gadjés, somente o fazendo para fins de negociação e sobrevivência. Tal situação tem sido lentamente modificada hoje em dia à medida que eles precisam adaptar seus ofícios à sobrevivência no mundo atual. Mesmo continuando nômades em sua maioria, precisam interagir mais intensamente com os gadjés para a venda de objetos, tais como toalhas e colchas, para aquisição de mantimentos e para comercialização em geral. Há, inclusive, grande número de ciganos que comercializam carros. Hoje, na Europa e nos Estados Unidos, a expressão "cigano" (gypsy, tsigane, zingaro, etc.) é evitada pelos ciganólogos não-ciganos, os quais preferem a expressão geral adotada pelos movimentos de afirmação dessa etnia, adotando a expressão ROMA. Entretanto, costuma-se distinguir pelo menos três grandes grupos: 

 

(1) Os Rom (ou Roma, como se autodenominam) é um grupo demograficamente majoritário e o que está distribuído por um número maior de países. É dividido em vários subgrupos (natsia, literalmente, nação ou povo), com denominações próprias, como os Kalderash, Matchuara, Lovara e Tchurara. Este grupo teve sua história profundamente vinculada à Europa Central e aos Bálcãs, de onde migraram a partir do séc. XIX para o leste da Europa e para a América. Alguns estudiosos e muitas organizações ciganas tem tentado substituir no léxico a palavra “ciganos” por Rom. Este processo tem-se denominado romanização, e tem a intenção de conferir legitimidade a estes grupos como sendo o dos “verdadeiros ciganos”. Existem ainda, pelo menos, duas derivações dessa política. A primeira é a do subgrupo Kalderash, auto-proclamada mais “autêntica” e “nobre” entre as comunidades ciganas. A segunda é a do grupo linguístico vlax romani, considerado por muitos pesquisadores como portador da “verdadeira língua cigana” (ADOLFO, 1999).

 

(2) os SINTI, que falam a língua sintó e são mais encontrados na Alemanha, Itália e França, onde também são chamados Manouch;

 

(3) Os Calon, cuja língua é o caló, são ciganos que se diferenciaram culturalmente após um prolongado contato com os povos ibéricos. Da Península Ibérica, onde ainda são numerosos, migraram para outros países europeus e da América. Foi de Portugal que vieram para o Brasil, onde constituem o grupo mais numeroso. Existem povos Calon onde quer que tenha havido colonização portuguesa, pois ao contrário da Espanha, o Reino de Portugal os degredava para todas as suas colônias. Aplicava-se o degredo como pena e também se utilizavam disso para povoar territórios colonizados mais remotos (como foi o caso do degredo para o Maranhão e para Cabo Verde) e para ter mão de obra auxiliar nos portos da África e no comércio de escravos (COSTA, 1997).

 

O desconhecimento que as pessoas têm dos ciganos faz com que sejam vistos por estereótipos, com tratamento assemelhado ao dispensado aos bandidos e ladrões.

 

A Constituição de 1988 traz uma extraordinária abertura de tratamento para os ciganos, os quais estão abrangidos pelos artigos 215 e 216, que mandam preservar, proteger e respeitar o patrimônio cultural brasileiro. Este patrimônio é constituído pelos modos de ser, viver, se expressar e produzir de todos os segmentos que formam o processo civilizatório nacional.

 

A propósito, o Decreto Nº 1.494, DE 17 DE MAIO DE 1995 (DOU 18.05.1995), que regulamenta a Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, estabelece a sistemática de execução do Programa Nacional de Apoio à Cultura - PRONAC, diz no seu art. 3º que, para efeito da execução do Pronac, consideram-se: VIII - patrimônio cultural: conjunto de bens materiais e imateriais de interesse para a memória do Brasil e de suas correntes culturais formadoras, abrangendo o patrimônio arqueológico, arquitetônico, arquivístico, artístico, bibliográfico, científico, ecológico, etnográfico, histórico, museológico, paisagístico, paleontológico e urbanístico, entre outros", e especifica como segmentos culturais (XIII) a j) cultura negra; e l) cultura indígena. Por que não m) a cultura cigana? Porque, lamentavelmente, ainda falta o reconhecimento do Governo do Brasil, e o tratamento igualitário, entre as minorias.

 

Os ROMA - Calon, Rom ou Sinti - qualificam-se como minorias étnicas. Formam uma sociedade comunitária à parte, com sua ética e seus códigos de conduta. E, como convivem com a sociedade sedentária, formal, organizada, são forçados a aceitar as normas desta sociedade. Adotam-se muitos nomes. É comum serem batizados várias vezes.

 

São vítimas de muitos preconceitos. Para os citadinos, cigano muitas vezes é sinônimo de esperto, de vagabundo, ou de ladrão. Esse ranço histórico é cultivado, inclusive, pela literatura em torno de estórias e histórias vividas ou imaginadas. Assim como os judeus, ou os índios, ou os negros, ou os pobres, os ciganos são discriminados na sociedade.

 

Como toda minoria étnica (ou religiosa, ou lingüística), os ciganos têm direitos fundamentais. O primeiro deles é o direito de não ser objeto de discriminação. E a discriminação ocorre quando os ciganos recebem tratamento distinto do concedido aos não ciganos, unicamente em razão de sua pertinência a seu grupo étnico.

 

Quais são os problemas que mais os afetam?

 

Não têm acesso ao registro civil de nascimento, nem de óbito. Seu nomadismo serve de pretexto aos titulares dos cartórios para dificultar e mesmo impedir sejam lançados os nascimentos dos filhos e filhas de ciganos. Não têm direito de estacionar suas caravanas, e estabelecer acampamentos provisórios, sem serem molestados pelas polícias, e autoridades locais. Suas crianças não têm direito de frequentar escolas, por conta da sua maneira de viver. E quando se sedentarizam, vêem seus filhos serem tratados como cidadãos de segunda classe, porque seus valores culturais não são conhecidos nem são respeitados.

 

E nesse sentido, o que diz a lei, sem que ninguém a faça cumprir? A Lei Nº 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, manda, em seu art. 26, que " Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada exigida pelas características regionais elocais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela", havendo ainda determinação, no § 4ºdesse dispositivo legal, de que "O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia".

 

Por que não aproveitar experiências avançadas de outros países, no campo do respeito aos direitos das minorias, e entre estas, dos ciganos? Portugal, por exemplo, já tem grandes avanços, com a facilidade de ter tudo na mesma língua materna que o Brasil, e com a possibilidade de utilização de troca de experiência, que enriqueça o esforço do Brasil, para respeitar efetivamente os direitos humanos de todos.

 

É papel do governo, mas igualmente de cada um de nós, sustentar que os direitos humanos de todos também devem incluir os direitos humanos dos ciganos.

 

04/05/2009 por Luciano Mariz Maia- cartaforense.com.br

 

 

 

 

Verdade ou mentira?

A origem das histórias do imaginário cigano

 

Ciganas lêem a sorte

 

Amparados pelo mistério que os rodeava, os ciganos perceberam que poderiam utilizar a curiosidade dos povoados sobre o futuro como um modo de fazer negócio e ganhar dinheiro. A crença virou parte da cultura cigana. Hoje, as ciganas lêem até mesmo a sorte de outras mulheres do grupo, mas, nesse caso, sem dinheiro envolvido.

 

Ciganos roubam crianças

Essa crença pode ter vindo do hábito dos ciganos de circo de incorporar à trupe crianças órfãs ou abandonadas que se encantavam pelo seu estilo de vida. Mas, o mais provável é que o medo daquele povo desconhecido o tenha transformado em uma espécie de bicho-papão para os europeus.

 

Ciganos são negociantes

É possível que sua vida errante tenha favorecido atividades relacionadas ao comércio. Além de terem acesso a objetos “maravilhosos” dos lugares por que passavam, conseguiam carregar a sua forma de sustento numa mala sempre que precisavam levantar acampamento.

 

Ciganos são trapaceiros

Na Idade Média, aquelas pessoas exóticas e desconhecidos eram vistas como bruxas (muitas foram queimadas durante a Inquisição). A vida à margem da sociedade muitas vezes os empurrava à criminalidade. As outras formas que encontravam para ganhar dinheiro – comércio e leitura de mãos – colocavam à prova sua honestidade. Essa confluência de fatores pode ter criado a imagem do cigano trapaceiro.

 

Ciganos falsificam ouro

Tradicionalmente, muitos grupos ciganos dominam o trabalho com metais. Algumas etnias carregam isso até no nome, como os kalderash (“caldeireiros”, em romani). No Brasil, os ciganos participaram da exploração de minas de ouro no século 18. Junte-se tudo isso à fama de trapaceiros e fica fácil entender a crença de que eles falsificam metais.

 

Ciganos honram a palavra

Como são um povo sem escrita, as leis ciganas são regidas com base na palavra dada. O não-cumprimento de uma regra ou de um acordo representa uma grande ofensa à sociedade cigana, e quem o faz é desmoralizado perante o grupo.

 

Para saber mais

Embaixada Cigana

Anticiganismo – Os Ciganos na Europa e no Brasil

Frans Moonen, Centro de Cultura Cigana, 2008.dhnet.org.br/direitos/sos/ciganos/index.html

História do Povo Cigano

Angus Fraser, Teorema (Portugal), 1997.

http://www.romaninet.com/course/Portugues_unit_1.html

Grupos ciganos

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